As noites abafadas de um verão que insiste em não acontecer parecem se repetir. Os dias são os mesmos, me perco num cronômetro que não dá conta de acompanhar o movimento frenético dos ponteiros, me soterrando nas areias da ampulheta e num piscar de olhos, sou engolida pelo tempo e sua força incalculável deixa suas marcas até nas minhas moléculas.
Um verão atípico, eu diria. Não pela ausência de sol, pela falta de calor, mas pelo excesso de irregularidades. Tudo é incerto: a garoa, a temperatura, o futuro. E essas incertezas me corroem a alma e me viram do avesso.
A monotonia do dia a dia me contaminou, as tardes tediosas me acompanham sem sossego, me falta ânimo e coragem, me falta esperança e felicidade. As promessas de renovações trazidas pela chegada do novo ano parecem cada vez mais distantes. Não houveram mudanças. Nunca houve. Sempre fazemos uma série de resoluções para o ano seguinte, mas na prática, continuamos os mesmos.
E eu não busco uma transformação superficial, eu busco a metamorfose: quero mudar em todos os sentidos possíveis (e talvez, até os impossíveis). Quero sair do casulo, voar sem rumo com grandes, fortes e belas asas, respirando novos ares, me transmutando de dentro para fora.
Mas, janeiro me puxou pelo pé, me amarrou os braços e cortou minhas asas. Enjaulou a besta inconstante que urge do meu ser, me prendeu num ciclo repetitivo me condenando ao tédio da rotina e da preocupação que aumenta gradativamente a cada manchete, a cada minuto, o medo de fazer parte da estatística cada vez maior e me tornar apenas mais um número entre os milhares que perderam a guerra para o inimigo covarde e invisível.
Não adianta, não consigo, minha consciência simplesmente não permite que eu aja como se nada estivesse acontecendo. De certo modo, prefiro continuar enclausurada e um tanto claustrofóbica, do que compactuar com a irresponsabilidade.
No fim do dia, ao menos, me deito com o espírito tranquilo, sabendo que, apesar de todo sofrimento, o sacrifício não é em vão: a vida, afinal, vale muito mais que festinhas de réveillon.
The responsibility of confinement. Nice piece. January is cold of winter here.
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Precioso y vibrante.
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Realmente! Muito mais!
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Chego ao ponto final e sinto satisfeita com o que escreveu. Tudo foi muito bem colocado!
Aproveite todos os momentos para nos presentear com a escrita.
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Que linda melancólica. Como não dizer que ela é um ótimo combustível para arte?
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Verdadeiras e preciosas linhas.
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Wonderful writing, feel the energy, frustration and the need for change.
All the best moving forward each day. 🌞🙏
Nims
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meu Deus, que texto incrível! senti todas as emoções em cada palavra dele, você é muito talentosa com as palavras, parabéns ❤
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